Estudo 1.8
A geração que mais utiliza os recursos da web 2.0 na vida privada deixa de valorizá-los quando se trata dos ambientes virtuais de aprendizagem
Luis Guidi
A moda é recorrente entre as instituições de ensino: seja no ensino a distância ou presencial, parece ter se tornado obrigatória a construção de um espaço virtual de aprendizagem. Mas, mesmo se tratando da geração y, será que os alunos utilizam a ferramenta de forma pedagogicamente proveitosa? Um estudo divulgado recentemente desconstruiu alguns mitos sobre o comportamento desses jovens e revelou dados impressionantes, como o que mostra que as ferramentas de comunicação e interação são pouco valorizadas pelos alunos quando se trata do uso educacional.
A pesquisa, que demorou três anos pra ficar pronta, foi realizada pelo doutor em Administração pela USP Silvio Carvalho Neto, e buscou ressaltar a importância do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) como ferramenta de apoio ao ensino tradicional presencial. O resultado foi uma tese de doutorado defendida no final do ano passado na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Os AVAs são sistemas de informação disponíveis na internet e que agregam funcionalidades de comunicação e interação e outros recursos didáticos voltados ao processo de ensino e aprendizagem. "A ideia central do trabalho foi verificar quais eram as dimensões de qualidade consideradas importantes pelos alunos", explica o autor da pesquisa. Para isso, Silvio ouviu alunos dos cursos superiores de administração e comunicação social do Centro Universitário de Franca (Uni-Facef), onde é professor titular.
A pesquisa revelou dois pontos interessantes. O primeiro deles é que os alunos pouco valorizam as ferramentas de comunicação e interação como blogs, wikis, chats e conferências de áudio e vídeo. Por outro lado, dão atenção aos componentes de trabalho individual como o download de aulas, textos pontuais, notas mural e tópicos de ajuda, limitando o uso dos ambientes virtuais a simples sistemas de consulta.
"Constatamos que o aluno tende a valorizar também no virtual aquilo que está no presencial", analisa o pesquisador. As ferramentas mais valorizadas pelos estudantes foram o material para download, glossário, links externos, mecanismos de busca, tópicos de ajuda, mural, sala de aula virtual e fácil acesso. Já entre as funcionalidades menos valorizadas estão a tradução para outros idiomas, wiki, ambientes 3D interativos, blog e atividades e jogos.
Vale lembrar que o estudo ouviu apenas alunos que utilizavam o AVA como suporte à aula presencial, mesmo assim o pouco interesse por elementos da chamada web 2.0, tão valorizada pelos jovens estudantes em seu próprio dia a dia, não se refletiu nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem.
O segundo ponto que chamou a atenção na pesquisa relacionou as características de qualidade da informação e do design do sistema com as dimensões de frequência de uso, satisfação e benefícios identificados no AVA, isto é, a questão foi descobrir quais elementos do sistema estavam diretamente relacionados com a boa percepção do suporte pedagógico.
O que se observou foi que, apesar de os alunos considerarem que a qualidade do sistema impacta mais na satisfação do que a qualidade do conteúdo disponibilizado, ambas as dimensões foram consideradas como determinantes na avaliação do AVA. Para os estudantes, os aspectos mais valorizados na qualidade da informação dos AVAs foram a confiabilidade, a relevância e a exatidão. Portanto, quando analisado o conteúdo, o que mais se espera por parte dos usuários é que as informações contidas no sistema sejam confiáveis e precisas.
Já no que se refere ao sistema, o que mais contribui para uma percepção positiva são atributos que se espera de qualquer ambiente virtual: facilidade de navegação, velocidade, funcionalidade e a atratividade visual. Para Silvio, todas as características referentes à qualidade da informação e do sistema se mostraram estatisticamente relevantes, portanto, todas devem ser consideradas em conjunto. "Para o aluno, a boa qualidade percebida é o que determinará sua intenção de reutilizar o sistema", analisa.
Também foi perguntado aos alunos o motivo pelo qual eles acessam o AVA. A maioria respondeu que facilita o aprendizado (51%), seguida de perto pelos que acham que os ambientes organizam melhor a aula (46,4%) e outros responderam porque era obrigatório (2,7%). Mas se os alunos querem acessar o sistema e reconhecem sua importância, por que não utilizam todas ou a maioria das ferramentas disponíveis? Para Silvio a resposta é clara: porque não são incentivados pelos professores.
"Os professores em estudo não tinham um papel ativo na utilização do AVA como complemento da aula e isso talvez explique por que ainda os alunos enxergam as funções de interação e comunicação como indiferentes", diz. "Adquirir e implantar um sistema não basta. É preciso treinar e criar incentivos para que os docentes utilizem o AVA como apoio ao ensino extraclasse", completa.
E é bom que os professores e diretores assimilem bem rápido esse pensamento, criando definitivamente a cultura de uso desses sistemas. Com o conceito de computação em nuvem (cloud computing), muitos dados já estão sendo armazenados em servidores virtuais podendo ser acessados por qualquer dispositivo a qualquer hora. "Se sua geladeira tiver acesso à internet você poderá ter uma aula de matemática financeira tomando café da manhã", explica Silvio.
Para o professor, entretanto, não existe um modelo a ser seguido, primeiro porque cada área do saber tem suas características e peculiaridades. Na visão do docente, um AVA voltado para o curso de medicina talvez seja completamente distinto de um idealizado para o curso de letras ou ciências da computação, por exemplo. Também existem vários níveis de ensino e os ambientes são diferentes para o ensino a distância, pós-graduação ou para a educação básica.
Mesmo não tendo um modelo ideal é possível listar alguns elementos que devem ser empreendidos no ambiente virtual. Na opinião do professor, qualquer sistema de informação deve considerar três dimensões básicas: tecnologia da informação, recursos humanos e processos organizacionais. "É preciso que as instituições de ensino superior observem seus processos e avaliem o nível de capacidade dos seus professores antes de implantar um AVA", recomenda.
Em relação à qualidade, a procura pela excelência dever ser um processo contínuo de constante renovação. Um AVA de qualidade é fundamental para uma universidade, na medida em que o ambiente representa a própria instituição no mundo virtual. Os AVAs são tão importantes que acabam agregando valor ao processo de ensino e aprendizagem, fortalecendo a imagem das instituições. Então, é hora de avaliar o modelo existente, fazer ajustes e se adaptar às necessidades dos usuários.